Lixo radioativo é tratado com cascas de arroz e café
Cascas de arroz e de café, dois materiais abundantes e de baixo custo, foram testadas com sucesso no tratamento de rejeitos radioativos em pesquisa do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), instituição associada à USP. Os melhores resultados foram obtidos com a casca de café não processada, que absorveu rejeitos de urânio e amerício, duas substâncias radioativas cuja remoção é feita atualmente por meio de técnicas que apresentam custos elevados de aplicação.
O objetivo é que, no futuro, a técnica seja capaz de reduzir volumes significativos de rejeito líquido a pequenas massas de rejeito sólido, facilitando seu acondicionamento final.
Os resultados do trabalho são descritos em artigo publicado na revista científica Environmental Science and Pollution Research. “Os rejeitos usados na pesquisa são provenientes de pesquisas realizadas no próprio Ipen, e armazenados no depósito da Gerência de Rejeitos Radioativos (GRR) do instituto”, relata ao Jornal da USP o pesquisador Leandro Goulart de Araújo, que participou do trabalho.
“No entanto, rejeitos similares são gerados em diversas atividades nucleares no mundo, principalmente as relacionadas ao uso de combustível nuclear em reatores de potência ou de pesquisa, com presença dos elementos radioativos amerício, césio e urânio”, completa o pesquisador.
As cascas de arroz e café foram obtidas junto às empresas Arroz Vale do Sul e Grupo Sara Lee. “São produtos de fácil obtenção e de baixo custo. Todas as biomassas foram lavadas, secas em estufa, esterilizadas e trituradas”, descreve Araújo. “Uma parte foi utilizada sem nenhum preparo e outra foi submetida a tratamento químico, com uso de ácido, base e processos subsequentes de filtração, lavagem e aquecimento a 60 graus Celsius.” A técnica adotada nos experimentos foi a biossorção, que utiliza biomassas para absorver contaminantes.
Reduzindo rejeitos
O pesquisador ressalta que os resultados dos testes em laboratório foram interessantes para rejeitos de urânio e amerício para todas as variações de biomassas utilizadas, não processadas e processadas quimicamente.
“Todas transformaram um grande volume de rejeitos em uma pequena quantidade de biomassa, e a mais eficiente foi a casca de café não processada”, afirma. “Para o césio, as biomassas não foram eficientes, provavelmente em razão da acidez do rejeito radioativo e sua baixa concentração, quando comparada aos outros elementos.”
A maior vantagem da técnica de biossorção é o baixo custo e a possibilidade de usar um resíduo para tratar outro, diz Araújo. “Já existem técnicas bastante eficientes para o tratamento de rejeitos contaminados por esses elementos, mas elas são custosas e adotam materiais de difícil obtenção”, observa. A adoção em larga escala do método dependerá de novos experimentos, com uma quantidade de rejeitos mais próxima da existente em situações reais.
Para adequado acondicionamento da biomassa após tratamento é necessário imobilizá-la em uma matriz sólida. “Geralmente se usa o cimento portland para tal”, afirma o pesquisador. “Os resultados preliminares mostram que a biomassa pode ser imobilizada via cimentação, apresentando resultados dentro das normas estabelecidas pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). Espera-se que no futuro a técnica possa ser aplicada para reduzir grandes volumes de rejeitos líquidos a reduzidas massas sólidas, simplificando seu acondicionamento final.”
O estudo foi realizado pelos pesquisadores em gestão de resíduos radioativos do Ipen, com a participação do professor Júlio Takehiro Marumo e Rafael Vicente de Padua Ferreira, que defendeu tese de doutorado sobre o tema no Ipen (cuja pós-graduação é oferecida em parceria com a USP), e Leandro Goulart de Araújo.
Também colaboraram Rafael Luan Sehn Canevesi e o professor Edson Antonio da Silva, da Universidade Oeste do Paraná. A pesquisa é descrita no artigo The use of rice and coffee husks for biosorption of U (total), 241Am, and 137Cs in radioactive liquid organic waste, publicado na revista científica Environmental Science and Pollution Research em 20 de junho.
Fonte: Ciclo Vivo
20/10/2020